domingo, 9 de setembro de 2012

Cantorias do sertão brasileiro

No concerto da Igreja do Convento de São Francisco, Ivan Vilela e Andrea Luisa Teixeira trouxeram as múltiplas sonoridades do cerrado brasileiro, conforme estava previsto, porém a dupla foi mais adiante e abriu espaço para os Beatles e para a música clássica brasileira durante a apresentação.

Nas três primeiras peças, Ivan Vilela atuou solo, tocando Paisagens (música que deu título a um de seus CDs mais vendidos) e Viola quebrada, ambas de sua autoria, intercaladas por um arranjo de Eleanor Rigby, de John Lennon e Paul McCartney.

Em seguida, Ivan conversou com o público e falou um pouco sobre a viola caipira, antes da entrada de Andrea Luisa: "Com todos esses atributos brasileiros (caipira, sertaneja etc.), ela é um instrumento português, de pelo menos oitocentos anos, e que deu origem ao violão. Veio de Portugal já com nove afinações e hoje tem cerca de 20 aqui no Brasil".

Já com Andrea Luisa em cena - que explicou à plateia a origem do Projeto Cerrado, criado por ela em 1998 -, os compositores do cerrado tiveram vez com as músicas Luz dourada, de Juraildes da Cruz, e Anjo alecrim, de Anacleto. Depois, Andrea fez uma participação solo ao piano interpretando três peças eruditas: Allegro appassionato, de Alexandre Levy, Dança de Negros, de Fructuoso Viana, e o Frevo n° 1, de Marlos Nobre.

Na parte final, um arranjo da Cantilena da Bachianas n° 5 de Villa-Lobos e de Passarim, de Tom Jobim, antecedeu as músicas finais, de autoria novamente de Ivan Vilela (Sertão e Armorial) e de outros autores do Centro-Oeste e Sudeste: Recortado para Ivan, de Deuler Andrade, e Nós fieis, de Gustavo Veiga e Carlos Brandão.

Na bruma leve da despedida

São sete dias de festa, vinte homens de branco trajados, centenas de outros na plateia, milhares de sonhos sanados. A MIMO 2012 chega ao fim em grande estilo, com show de Letieres Leite e Orkestra Rumpilezz, uma das bandas mais inovadoras que surgiram no cenário musical brasileiro dos últimos anos. Misturando o afro-jazz a elementos do candomblé, com ênfase à percussão, a big band se apresenta na Praça do Carmo, com a turnê Feira de sete portas. No repertório, faixas autorais como Alafia e Floresta azul, enfeitadas pelos instrumentos de sopro, atabaques, caxixis e agogôs. Completando a referência à Alceu Valença do começo do post (que por sua vez havia citado Carlos Pena Filho em sua Solibar), o vídeo da faixa Anunciação. Esta, porém, quem toca é Letieres e sua super orquestra.



CONCERTO | Letieres Leite e Orkestra Rumpilezz
DATA | 09/09
HORÁRIO | 20:30
LOCAL | Palco da Praça do Carmo

Arismar do Espírito Santo encerra shows do Seminário

Foto: Divulgação

O show do multi-instrumentista e compositor Arismar do Espírito Santo encerra a maratona de apresentações no Seminário de Olinda, neste domingo, às 19h. Arismar se destaca pela habilidade e na guitarra, contrabaixo, piano, violão e bateria, e foi eleito em 1998 pela Revista Guitar Player como um dos 10 melhores guitarristas/violonistas do País.

Em 37 anos de carreira, o músico já atuou ao lado de nomes como Hermeto Pascoal (numa turnê por sete países europeus), Dori Caymmi, João Donato, Paquito D’Rivera, Toninho Horta, Ivan Lins, Leny Andrade, Hugo Fattoruso e George Benson. Para o show da MIMO, Arismar faz o lançamento do seu novo álbum, "Alegria nos Dedos", álbum que transita por gêneros como o samba, o jazz, afoxé, choro-canção, xote, e valsas.

CONCERTO | Arismar do Espírito Santo
DATA | 09/09
HORÁRIO | 19:00
LOCAL | Seminário de Olinda

Pura catarse

O concerto de Maria João e Mario Laginha ontem, no Seminário de Olinda, foi catártico. O repertório minunciosamente escolhido foi o primeiro dos acertos, que ocorreram desde o figurino da cantora, com nuances de ninfa ou de sonho. Músicas do último álbum, Chocolate, como From a wide open window e a genial versão para Goodbye pork pie hat encantaram com seu pop jazz. Mas foram as execuções de velhas conhecidas da dupla, como a belíssima Cair do céu (muito bem casada com a atmosfera sacra da igreja, cuja acústica foi brinquedo para Maria) e Parrots and lions, que deslumbraram a plateia e exigiram aplausos calorosos.

Entretanto, para além do excelente domínio que a portuguesa tem de sua voz e da arte de interpretar uma música, bem como do virtuosismo de Laginha no piano, o que merece destaque é o alcance que tem seu trabalho. Não raro percebi pessoas emocionadas, com olhos vidrados na cantora e sorrisos incontidos. E, se não conseguiam entrar no clima, gargalhavam, incomodadas que estavam com os incríveis manejos vocais. Havia um rapaz com um fone de ouvido, acompanhando a namorada, que no meio da apresentação desistiu do acessório e voltou sua atenção para o show. Fez bem. Foi exatamente no momento em que Maria João comentava sobre sua felicidade de estar na MIMO. Em seguida, transmitiu isso em forma de canto, ao nos presentear com Beatriz, de Edu Lobo e Chico Buarque.

O sentimento foi tanto que o público extasiado não conseguiu apenas aplaudir, foi preciso ficar em pé. Lá no palco, Maria João explicava que pra ela aquela era a canção mais linda do mundo. E, bem, a interpretação foi uma das mais lindas. Não é de se estranhar que os presentes não quisessem ir embora. Ao final da apresentação, boa parte da plateia permaneceu na igreja, pedindo mais. Infelizmente, havia ainda dois concertos naquela noite e não era possível estender. Para quem ficou sentindo falta do bis, fica o vídeo abaixo.


Chucho Valdés improvisa um Carnaval


Chucho no bis/ Crédito: Followgram da MIMO

Chucho Valdés nem precisava ter tocado Máscara negra para que se pudesse perceber que o clima ontem no Alto da Sé já era de folia. Uma multidão lotou a igreja e seus arredores para assistir a aguardada apresentação do consagrado pianista cubano, que teve início dez minutos antes do horário marcado.

Os standards You don't know what love is e Sheherazade alternavam erudito e jazz clássico com cumbias em Zawinul's mambo e Contradanza. Suingue não faltou e, se precisava se conter para não sair dançando pela igreja, a plateia não escapava de uns pezinhos e cabeças mexendo aqui e ali. Sabendo fazer quase um ano do último festejo de Momo, certamente Chucho não teria levado a mal.

Os dois bis com que presentou o público em um espetáculo com cerca de 1h30 de duração entregavam que o gigante cubano também queria festa. O riso e a alegria de quem desceu as ladeiras para a apresentação da Orquestra Contemporânea de Olinda mostravam que ele ofertou uma. Foi quase um sábado de Carnaval.


Eu estive na MIMO

Foto: Facebook
A nosso convite, o professor de música Lucas de Moura, que esteve no concerto do Duo Assad (sexta à noite), preparou um depoimento pra o Blog da MIMO. O texto abarcou vários momentos da apresentação, por isso reproduzimos aqui os principais trechos.


O Duo Assad, que se apresentou na Igreja da Sé, demonstrou seu vigor artístico, fruto de muita vivência musical e estudo. A sonoridade entrosada dos dois violões e a atmosfera própria imprimida a cada música tocada é resultado de uma carpintaria cotidiana que já dura mais de 30 anos.

O concerto começou com Eponina, valsa de Ernesto Nazareth (1863-1934). Um momento de extrema delicadeza: a vibração era única, e os dois violões, mesmo cada um tendo as suas características de timbre e fraseado, se encontravam no mesmo pulsar.

Foram executados dois números da suíte Retratos, de Radamés Gnatalli (1906-1988): Ernesto Nazareth (Valsa) e Chiquinha Gonzaga (Corta-jaca). A valsa faz referência ao clima delicado do início do concerto, enquanto o corta-jaca exige velocidade e cuidado para não esbarrar nas notas.

Após o corta-jaca de tirar o fôlego, foi o momento solo de Odair com a Sonata del caminante, composta e a ele dedicada por Leo Brouwer (1939). A música faz referência ao que o compositor viu e ouviu em sua passagem pelo Norte-Nordeste do Brasil: a Amazônia, os índios, o sertão nordestino e o ritmo do baião, tudo isso captado por Leo de maneira bastante pessoal. Odair mostrou toda a sua capacidade comunicativa, sua técnica e sua sonoridade apurada.

Seguiram-se duas peças célebres de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), originalmente para piano, em arranjo para dois violões de Sérgio Assad: A lenda do caboclo e o Choros n° 5 (Alma brasileira). A sonoridade do duo nessas músicas é impressionante: a atmosfera emocional, os rubatos bem colocados. Emocionante.

A seguir, o nuevo tango do argentino Astor Piazzolla (1921-1992): dois movimentos da Suite troileana, em mais um arranjo de Sérgio Assad. Intensidade emocional, contrastes rítmicos. Seguiu-se o singelo Palhaço, de Egberto Gismonti (1947), em mais outro arranjo de Sérgio Assad.

A última música do programa, Tahhia li Ossoulina, é uma homenagem de Sérgio Assad às raízes orientais de sua família. Como bis, o duo tocou a Valsa venezuelana n° 3 de Antonio Lauro (1917-1986), talvez em arranjo também de Sérgio. 

Assistir ao Duo Assad foi uma grande experiência musical, arrisco dizer, não só para mim como para todos os que estavam na plateia. A sonoridade integrada dos dois comunicou diferentes afetos, diferentes climas, mantendo o público atento do começo ao fim.

Orquestra Contemporânea de Olinda é bom demais!

foto: Tom Cabral

Ontem, sem dúvidas, foi o dia mais movimentado da MIMO. Mesmo com um tempo meio fechado, um público bem misto lotou a Praça do Carmo para receber o show da Orquestra Contemporânea de Olinda

Apresentando principalmente as canções do seu segundo trabalho autoral, o disco Pra Ficar lançado mês passado, a banda contou com algumas participações. Subiram ao palco além do americano Arto Lindsay, guitarrista e produtor do disco, a cantora recifense Isadora Melo, que também gravou voz no cd, e o percussionista Lucas dos Prazeres, que foi ovacionado pela platéia.

Além das músicas do disco novo, a banda tocou algumas velhas conhecidas do público como Canto da Sereia, presente no primeiro trabalho e ainda a música A Roda, de Gilberto Gil, e perto do fim, a surpresa que foi o ponto alto da noite: Ciranda de maluco, do cantor Otto, fez toda multidão rodar e cantar em uníssono desejando que o carnaval chegue o mais rápido possível.