sábado, 10 de setembro de 2011

Standard até que ponto? [2]

Você iria a um concerto sinfônico somente com obras nacionais e que não fossem de Villa-Lobos? Se você responde negativo a essa pergunta mas não pensaria duas vezes caso se tratassem de nomes familiares e cujas obras soassem confortáveis a seus ouvidos, um irônico parabéns: seu gosto pra música clássica é moldado em grande parte pelos maestros que ditaram as preferências da indústria fonográfica e dos programas de concertos durante o séc. XX. "Que bom, então estou sendo guiado por quem entende", você pode pensar. Nem tanto, se tivermos em conta algumas fatores que merecem sua reflexão:

1. A qualidade da música clássica nacional (e latino-americana) vem desde o período colonial e se comprova por inúmeros estudos musicológicos desencadeado por importantes pesquisas de resgate de acervo, algumas destas conduzidas por europeus (basta o exemplo do alemão Curt Lange). É recomendável você mesmo constatar que, tomando por base referências dos últimos 200 anos, a. o Padre José Maurício Nunes Garcia nada devia a Haydn e Mozart, b. os principais compositores românticos brasileiros estudaram na Europa (vide Carlos Gomes, quem em certa época só perdia para Verdi em número de récitas na Itália, Henrique Oswald e Alberto Nepomuceno), c.  os estudos para violino do mineiro Flausino Vale são tão complexos, e até mais bonitos no conjunto da obra, quanto os de Paganini, d. compositores brasileiros vivos de várias linhas estéticas continuam a ser premiados no país e no exterior, ano após ano... Tá bom por aqui.

2. Orquestras norte-americanas amam Copland e Gershwin, orquestras francesas tocam Debussy e Ravel com perfeição, os músicos de Viena sabem Strauss Jr. de cor, Holst e Vaughan Williams são divulgados na Inglaterra com afinco, tirar o melhor de Tchaikóvski e Stravínski é ponto de honra para os russos... Mas quantas orquestras brasileiras enfatizam o repertório nacional e geram gravações de referência mundial? Você saberia dizer duas?

3. A atividade da composição musical cresceu ao longo do tempo (assim como a de todas as artes, o que óbvio) e hoje há tantos compositores disputando espaço que não seria possível dar conta de conhecer os principais deles a não ser sob um grande e direcionado esforço de pesquisa pessoal, então quando eles são escolhidos pelos grupos que ainda são os mais representativos e os de maior dimensão do universo musical, as orquestras sinfônicas e de câmara, torna-se um fato que merece e muito a atenção geral.

4. E, pra não me estender mais, que tal perguntar a algum amigo estrangeiro ouvinte de música clássica se ele escuta compositores brasileiros? A música clássica não é dita como "universal", isto é, sem fronteiras e que encanta a todos?

Esses questionamentos servem não só a favor da música clássica brasileira, mas da música contemporânea em geral. Uma boa oportunidade para conferir o repertório nacional você pode conferir agora pela manhã no concerto da Orquestra de Câmara da Cidade de João Pessoa, na Igreja da Sé às 11h, com regência de Carlos Anísio. Serão tocadas as seguintes peças

José Alberto Kaplan (1935-2009)
Abertura Festiva
(Uma paráfrase de El Salón México de Copland, cuja estruturação formal é preservada na íntegra na peça do argentino radicado paraibano)

Heitor Villa-Lobos (1887-1959)
Fantasia para Saxofone Soprano e Orquestra de Câmara
Arimatéia Veríssimo, saxofone
(Uma das raras peças dedicadas ao instrumento como solista na primeira metade do séc. XX)

Darius Milhaud (1892-1974)
Saudades do Brasil
(Tributo do compositor francês em razão de sua estadia no Rio de Janeiro de 1916 a 1917, como funcionário de embaixada)

Mas como os nomes consagrados da música têm seu inquestionável valor, e como hoje é sábado (espero que você esteja de folga), não deixe de ir ao concerto da Orquestra de Câmara de Toulouse na Basílica de N. S. do Carmo, às 18h30, no Centro do Recife. Eis o repertório, que talvez dispense mais comentários:

Mozart
Sinfonia em Ré Maior n. 38 KV 504 “Praga”

Chostakóvitch
Sinfonia de Camera op. 110a

Britten
Sinfonia Simples

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